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quinta-feira, 15 de março de 2012

UM TRIBUTO A NIVALDO E EMÍLIA

http://cleide-mara.blogspot.com/2011/08/1-viagem-vitoriano-veloso-bichinho.html?showComment=1331783020587#c2710874152563014574


UM TRIBUTO A NIVALDO E EMÍLIA



Bichinho é um arrabalde de Prados, situado às proximidades da maravilhosa Serra de São José – entre São João Del-Rey e Tiradentes/MG.

Em férias escolares, década de 70, íamos para lá. Crianças maravilhadas em ir para a casa dos tios Nivaldo e Emília. Era fantástica a nossa ida... sempre foi! Íamos de Maria-Fumaça que entoava a sua esganiçada canção duetando magia e bucolismo. Vários vagões deslizavam sobre os serpenteados trilhos de bitola estreita deixando no ar um rastro de fumaça.  Dentro do trem era uma festa só.  Tinha a primeira-classe que era composta por vagões com poltronas esverdeadas e amolfadadas e a segunda-classe que apresentava bancos amadeirados em tom amarronzado. Era nesta que viajávamos. E como ríamos! Ríamos de tudo. Desde do chacoalhar dos vagões que não nos deixava quietos nos bancos até das figuras que iam conosco... Gente simples – gente da roça...

         O trem ia ganhando velocidade e a gente a paisagem... Os trilhos iam dividindo tapetes esverdeados, deixando para trás as montanhas com muitos cupins – amontoados de terra feitos por insetos - e o gado pastando, numa visão que só faltava emoldurar para que se transformassem em belos quadros pintados pela natureza.

         De quando em vez passávamos pelos pontilhões – armações de ferro – tipo pontes que ligavam uma extremidade à outra da ferrovia. Quando passávamos por um desses, o barulho era estarrecedor. Parecia que todo o peso do trem repicava abaixo dos pontilhões e reverberava em eco para dentro dos vagões...

_ Crianças não ponham a cabeça e nem os braços para fora, não!

Alardeavam Degão e Maria.

         Seguia a Maria-Fumaça... Apitando e avisando que aquela serpente metálica tinha vida e vida abundante em estuantes faces amolecadas.        

         Descíamos na, estação – vamos chamar assim - da Caixa-D’água da Boa Esperança, próximo a um lugarejo chamado GRITADOR e dali tínhamos que seguir a pé pela estrada... Era só poeira e estradão. Andávamos um bom pedaço de chão até chegarmos a uma travessia que ia nos deixar próximos da entrada para o Bichinho... e que travessia! Meu Deus! Como eu tinha medo daquilo. Era uma ponte amadeirada e longa suspensa no ar por cabos de aço e abaixo um longo e largo rio. Com o peso das pessoas que iam à frente a ponte ia chacoalhando toda, num balançar de me aterrorizar. Eu era o caçula e o mais medroso. E todos se aproveitavam disso.

          Quanto mais iam, mais sacudiam a estrutura... Ahhh meu Deus, que sufoco era cumprir aquele, que parecia interminável, percurso. Luiz, Marcos e Sérgio à frente, depois mamãe, papai, eu e minha irmã mais nova – Dorinha.

         Quando por fim conseguíamos atravessar, todos, aquele pesadelo, continuávamos a nossa caminhada.  Passávamos por várias porteiras e vários mata-burros – uma pequena estrutura com frisos de madeira ou de ferro sobre um buraco para vedar a passagem de cavalos e outros animais – e íamos nos maravilhando com tudo o que se processava diante de nossos olhos: o frescor de muitas árvores, folhagens densas, flores variadas e um intenso cantar de vários pássaros... era lindo demais! Eram vários santuários bucólicos pelo caminho. Subidas e descidas. Descidas e subidas. Vários “becos dos cotovelos”...

         Quando finalmente chegávamos à entrada, há uns cinco quilômetros, meu pai já começava a se pronunciar para com os camponeses andarilhos:

_ Ôuaa! Ô cumpadre! Bom dia!

Minha mãe – a estrela Maria – que nascera lá começava a expressar seu tímido jeito de sorrir e não tardava a dizer a meu pai:

_ Antônio!?!!!, que isso, você nem sabe quem é. Deixa de ser bobo homem...

E meu pai replicava:

_ Que isso Maria, são parentes, você não vê?!

Bem, se meu pai estivesse certo, todo o Bichinho era composto de parentes porque a todos dava sinal de que conhecia. E todos respondiam cordialmente à saudação de meu pai, retirando o chapéu e concordando:

_ Ôuuoa cumpade!

A gente só ria! Era muito engraçado ver o meu pai.

Quando chegávamos dentro do arraial, poeira, galinhas, porcos, patos e cachorros pelas ruas... Era o paraíso dos bichos. Meu Deus, que lugar!

         Meu tio Nivaldo possuía uma casa comercial – lá se chamava “Venda” – onde tinha de tudo um pouco. Era na verdade um pequeno armazém. Nossa chegada era sempre motivo de festa para eles. Minha tia Emília ia para cozinha preparar o almoço – passava pelo terreiro, olhava o galo mais gordo que tinha e... Que almoço!!! Vinho, cerveja e guaraná eram postos à mesa por meu tio – que gostava muito da presença de meu pai, eles se davam muito bem. A casa possuía um enorme pomar com variadas frutas: mangas, mexericas, laranja-serra-d’água, laranja-campista, laranja-bahia, jabuticaba, goiaba branca e vermelha, banana-nanica, banana-prata, banana-ouro, ameixas. Como era prazeroso o sabor das frutas apanhadas em seus pés.




Meu pai tinha um canivete – que hoje se encontra comigo – e com ele em mãos tratava de se assentar debaixo de um pé de laranja-campista bem repleto e se deliciava. Meus irmãos Luiz e Marcos, por suas vezes, armavam várias urupucas com intuito de pegar os belos canários-do-reino, sabiás, galinhos-da-serra, gravatinhas e outros.

         A noite chegava. E com ela a escuridão total. Aquilo sim era um céu estrelado... Ficávamos à porta, com fogueiras acessas conversando e olhando para o céu mais lindo que já vi na minha vida... Víamos estrelas cadentes, aviões piscando alternadamente com o seu brilhar próprio, dando margem ao nosso imaginário em interpretar serem discos-voadores. Todo o lugarejo era iluminado por lamparinas e lampiões a querosene. Marcos, um dos meus irmãos tinha um imaginação fértil – via fantasmas de todas as formas e tamanhos no quarto em que dormia junto com meu outro irmão Luiz. Na parede ficava afixado um roupeiro, onde meu tio deixava seu paletó, chapéu e calças... Quando a luz da lamparina incidia sobre ele, refletia na parede suas sombras trêmulas que davam vazão á imaginação de Marcos...

Impressionante são os habitantes do Bichinho...  A maioria absoluta parecia com nórdicos – claros, aloirados e de olhos com uma tonalidade incrivelmente linda de azul.

Quando vínhamos embora, meu tio não deixava que saíssemos com as mãos vazias... trazíamos sacos de laranjas e mexericas, cachos de bananas, galinhas... nossa!, quanta coisa. Ele possuía uma Kombi e nos levava até ao pesadelo suspenso... Ia começar tudo de novo. O balançar infernal e o meu medo incontido. Agora balançava mais, porque com os sacos nas costas – o peso fazia com que a ponte se sacudisse mais ainda... Ahhh eu ia agarrado ao cabo de aço, quase que rastejando pelo chão... era só risadas de meus irmãos.

         Passados mais de trinta anos estas imagens ainda estão arraigadas em minhas retinas e em meu espírito... são meus patrimônios indeléveis e que vou levar para todo o sempre.

         O Bichinho continua lá onde deixamos... Cresceu, ganhou iluminação, calçamento e linha de ônibus que faz o trajeto tanto para Tiradentes quanto para São João Del-Rey/MG. O Bichinho que na verdade se chama Vitoriano Veloso continua sendo distrito de Prados. Agora é reconhecido nacional e até internacionalmente por seus artesanatos e doces e seu patrimônio material artístico e cultural.

         Meus tios Nivaldo e Emília também continuam lá. Nivaldo, mais do que nunca cultuado em nossos painéis mentais -  na memória dos que o amavam - já que fez o voo ousado de volta às plagas espirituais. Minha tia Emília continua a mesma. Pequenina – Amável – Risonha e contadora de muitos causos... Tesouros que sempre farão parte de minha vida.    

FERNANBAS
Março - Verão de 2012